Contribua como Ele Quer!

“Cada um dê conforme determinou em seu coração, não com pesar ou por obrigação, pois Deus ama quem dá com alegria” (2 Coríntios 9:7, NVI)

Ao incentivar a igreja de Corinto a participar de uma doação especial para a igreja em Jerusalém, o apóstolo Paulo usa a expressão "dê conforme determinou em seu coração”. Ellen G. White tomou emprestada essa expressão de Paulo para dar a seguinte recomendação ao povo de Deus em nosso tempo: "Cada um tem de decidir suas próprias contribuições, sendo deixado na liberdade de dar segundo se propôs em seu coração" (Testemunhos para a Igreja, v. 4, p. 469). Essas palavras do apóstolo Paulo e de Ellen G. White têm resultado em algumas curiosas aplicações:

  1. Não há instruções divinas claras quanto à necessidade de doar.
  2. Deus não tem instruções definitivas sobre a porcentagem a ser alocada como como dízimo.
  3. O dízimo pode ser calculado sobre qualquer porção da renda (bruta, líquida ou qualquer outra) que uma pessoa considere apropriada.

Essas aplicações destacam a total liberdade de escolha do ser humano no que diz respeito a questão da doação. Mediante uma revisão do capítulo 41 de Testemunhos para a Igreja, v. 4, "A Santidade dos Votos", este artigo avalia se essas três conclusões estão alinhadas com o significado da expressão "dê conforme determinou em seu coração" e qual deve ser o entendimento apropriado.

Não há instruções divinas sobre doar

Em contraste com a conclusão "não há instruções divinas sobre doar", o ponto nevrálgico do capítulo é um Deus que quer que os Seus filhos doem. Ellen G. White usa a palavra "direitos" nada menos que dez vezes para se referir à expectativa de Deus em relação às doações. Em uma dessas ocorrências, ela até associa a palavra "direitos" a "imperativos": "Caso um cristão possua dez ou vinte mil dólares, os direitos de Deus sobre ele são imperativos no sentido de dar, não somente a proporção relativa ao sistema dizimal, mas de apresentar-Lhe as ofertas pelo pecado e as ofertas de gratidão" (4T, 467). Deus não Se cala sobre a necessidade dos Seus filhos doarem. Outra passagem que transmite o pensamento claro de Deus sobre a obrigação de doar de todos os Seus filhos, qualquer que seja sua fonte de renda, é a seguinte: "Quando homens de negócios, fazendeiros, mecânicos, comerciantes, advogados etc. tornam-se membros da igreja, passam a ser servos de Cristo; e embora seus talentos sejam inteiramente diversos, a responsabilidade que lhes cabe de promover a obra de Deus mediante o esforço pessoal e com seus recursos não é inferior à do pastor." (4T, 468). É responsabilidade do redimido doar.

Nenhuma instrução sobre qual porcentagem alocar como dízimo

A leitura desse capítulo parece indicar claramente que Deus idealizou a maneira como os Seus filhos deveriam doar. Ao se referir à experiência do juramento do patriarca Jacó, Ellen G. White cita o texto bíblico: "E de tudo quanto me deres, certamente Te darei o dízimo” (4T, 464, itálico acrescentado). Será que Jacó quis dizer um dízimo (ou um décimo) apenas simbólico, que designaria qualquer quantia? A descrição do cumprimento do voto de Jacó traz mais clareza: "Jacó deu o dízimo de tudo quanto possuía, e depois calculou o dízimo que usara, e deu ao Senhor o benefício daquilo que estivera usando para o próprio proveito durante o tempo em que estivera em terra pagã, e não pudera pagar seu voto" (4T, 466). O dízimo não era uma proporção qualquer da renda de Jacó; antes, representava um décimo.

A escritora emprega uma expressão comumente usada no círculo adventista – "benevolência sistemática" – para dissertar sobre a maneira como Deus quer que o Seus filhos deem: "Deus, o Criador do homem, instituindo o plano da doação sistemática, fez com que a obra pesasse igualmente sobre todos, segundo as diversas aptidões que possuem" (4T, 469). A benevolência sistemática inclui um dízimo de dez porcento e também uma proporção da renda como ofertas. Ela também usa o "sistema do dízimo" para confirmar a ideia de que a doação não deve ser um exercício aleatório a critério exclusivo do doador.

O dízimo é 10% de qualquer porção da renda

A citação em questão tem sido frequentemente aplicada para resolver a discussão acerca de dizimar sobre a renda bruta ou a líquida, ou sobre qualquer outra porção da renda. Isso tem levado alguns a concluir que essa questão é um caso de preferência ou de escolha pessoal. No entanto, várias passagens do mesmo capítulo parecem contradizer essa conclusão. Por exemplo, Ellen G. White inclui a expressão "de tudo" ao escrever sobre o dízimo prometido e devolvido por Jacó, o cumpridor dos votos. Além disso, a escritora fornece uma aplicação do princípio "de tudo" para a nossa situação atual: "Devemos fazer ao Senhor a primeira doação de todas as nossas receitas" (4T, 474). Essa frase traz duas informações: 1) Nossa doação para Deus é calculada sobre a totalidade da nossa renda, e 2) A base para o cálculo é o valor ganho antes de quaisquer outras apropriações ou deduções. O que uma pessoa assalariada traz para casa depois de pagar impostos, hipotecas e pagamento de dívidas não se encaixa bem com esse entendimento das instruções de Deus.

Um apelo à fidelidade

Descartadas as conclusões acima mencionadas, as quais não se alinham com a mensagem contida no capítulo 41 de Testemunhos para a Igreja, v. 4, a citação merece uma nova abordagem. Como devemos entender a admoestação "dê conforme determinou em seu coração"? O principal objetivo do Capítulo 41 é aumentar a conscientização sobre a questão da santidade dos votos ou promessas. Jacó é apresentado como um exemplo positivo, enquanto Ananias e Safira são retratados como exemplos que não devem ser imitados. Eles fraudaram a Deus e praticaram o engano. A história deles é relatada como "uma advertência a todos para que se guardem da primeira aproximação de Satanás " (4T, 463).

A expressão "determinou em seu coração", muitas vezes interpretada como impulso, desejos, planos ou vontade de qualquer ser humano, tem um significado diferente no capítulo. O contexto de "determinou em seu coração" refere-se às resoluções tomadas como resultado da ação do Espírito Santo sobre o coração de uma pessoa. Relatando a experiência de Jacó, Ellen White escreve: "Jacó fez seu voto enquanto se achava refrigerado pelos orvalhos da graça, e revigorado pela presença e promessa de Deus" (4T, 466). Ananias e Safira também haviam passado por experiência semelhante: "Enquanto se achavam sob a direta influência do Espírito de Deus, fizeram o voto de dar ao Senhor certas terras " (4T, 463). Nesses casos, o "determinou em seu coração" é o resultado da regeneração divina, manifestado através de sentimentos nobres, puros, altruístas e generosos. A autora confirma esse entendimento: "Quando o coração dos homens é abrandado pela presença do Espírito de Deus, eles são mais susceptíveis às impressões do Espírito Santo, e tomam resoluções no sentido de negar ao próprio eu e sacrificar-se pela causa de Deus " (4T, 470).

A ação do Espírito de Deus sobre nós requer uma resposta consistente. Para Jacó, era o voto de dar o dízimo de tudo, seguindo o exemplo do seu avô, Abraão (Gn 14:19, 20). Para Ananias e Safira, era doar o produto total da venda de uma propriedade, inspirados naquilo que outros crentes já estavam fazendo (At 4:34-37). Além disso, há um apelo para agir de acordo com essas decisões tomadas sob a convicção do Espírito Santo: "Deus exige fidelidade no cumprimento dos votos" (4T, 463). Jacó se manteve fiel ao seu voto de dizimar: "Isto representava uma grande soma; no entanto, ele não hesitou; o que votara ao Senhor, não considerava como seu, mas do Senhor" (4T, 466). Foi aí que o famoso casal fracassou! Ananias e Safira acabaram agindo contra os "propósitos" que Deus havia plantado em seus corações: "Ao dissipar-se, porém, essa influência celeste, a impressão era menos forte, e eles começaram a duvidar e a recuar do cumprimento do voto que haviam feito" (4T, 463).

A citação em questão começa com estas palavras: "Cada um tem de decidir suas próprias contribuições". Este é um convite para examinar a si mesmo, tal como nas instruções do apóstolo Paulo aos crentes em Corinto (2Co 13:5). Estou vivendo em harmonia com a convicção de que a Palavra de Deus e o Seu Espírito criaram em mim, ou me afastei de minhas resoluções? Os crentes precisam fazer este exercício regularmente e pessoalmente.

Essa expressão significaria que os agentes humanos não têm nenhum papel a desempenhar na influência dos outros na área da doação? Ellen White sugere o contrário: "Deus atua por meio de instrumentos humanos; e quem quer que desperte a consciência dos homens, induzindo-os às boas obras e ao real interesse no avançamento da causa da verdade, não o faz por si mesmo, mas pelo Espírito de Deus a atuar nele. As promessas feitas em tais circunstâncias são de caráter sagrado, sendo fruto da atuação do Espírito do Senhor" (4T, 473). Por meio do nosso exemplo e das nossas palavras, podemos inspirar outras pessoas a terem um propósito no coração. Do ponto de vista da autora, temos a responsabilidade de lembrar aos nossos companheiros: "A igreja é responsável pelos compromissos de seus membros individuais. Uma vez que vejam que um irmão está negligenciando cumprir seus votos, devem trabalhar bondosa e claramente com ele " (4T, 476).

A partir do exame da expressão "Cada um contribua segundo tiver proposto no coração", no contexto em que ela é empregada por Ellen White, podemos concluir com segurança que ela não sugere haver uma ausência de instruções claras de Deus acerca de doar ou de como doar. A importante disciplina da doação cristã não é deixada ao critério de cada um. E o fato de que Ele me leva a contribuiur segundo o propósito do meu coracao não pode contradizer o que Ele já instruiu sobre doar. Em resposta, é minha responsabilidade examinar a minha vida pessoal para confirmar se estou sendo fiel à luz recebida e fiel ao que de antemão prometi (ver 2Co 9:5).


Aniel Barbe

Aniel Barbe é diretor associado dos Ministérios de Mordomia da Associacao Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, Silver Spring, Maryland, e editor da revista Mordomo Dinâmico.