No nosso mundo contemporâneo, a palavra “prosperidade” é frequentemente associada à quantidade de dinheiro ou valor de ações que uma pessoa tem. Existem hoje tantos meios de fazer aumentar o nosso dinheiro que é quase impossível uma pessoa comum comandar todo este conhecimento. Palavras novas e exóticas como “bitcoin” ou “criptomoeda” surgem frequentemente nas conversas diárias. Quase não existe hoje no mundo uma área onde não esteja envolvido o dinheiro. Se as transações financeiras no passado eram simples (comprar, vender, trocar, comercializar), atualmente é um cenário complexo que deve ser descrito em fórmulas matemáticas ao contrário de palavras.
No nosso mundo atual, o dinheiro não passa apenas de mão para mão, como no passado, mas de conta para conta, servidor para servidor, é codificado e revestido de código binário, a velocidades inimagináveis, com efeitos dinâmicos. Voltando das nuvens, o dinheiro afeta o nosso mundo, dividindo-o em países de primeiro, segundo e terceiro mundo. Existem especialistas que parecem compreender plenamente como funciona este mecanismo complexo e como administrá-lo para criar benefícios ou dividendos. Muitas vezes, o verbo chave é “investimento. Os investimentos nem sempre resultam da forma esperada, estando sujeitos a surpresas anuais, valorização e desvalorização da moeda, resultando em pobreza ou riqueza no mundo real. Alguns especialistas são considerados como gênios financeiros, outros como golpistas, dependendo do que tenham feito recentemente. Nas últimas décadas, tem surgido um grande número de “especialistas” que prometem métodos infalíveis para garantir a prosperidade financeira.
O Evangelho da Prosperidade
A teologia da prosperidade (TP) é uma crença religiosa de alguns Cristãos que afirmam que as bênçãos financeiras e o bem-estar físico são sempre a vontade de Deus com relação a estes e que a fé, palavras positivas e doações para causas religiosas irão aumentar a sua própria riqueza. Esta teologia considera a Bíblia como um convênio entre Deus e a humanidade; em outras palavras, se as pessoas têm fé em Deus, Ele proverá segurança e prosperidade financeira. A essência desta teologia é a crença que Deus deseja que os Seus filhos fiéis tenham uma vida próspera, significando que irão ser financeiramente ricos, fisicamente saudáveis e individualmente felizes. Este tipo de estilo de vida Cristã coloca o bem-estar do crente no centro da oração e transforma o Criador em alguém que torna os seus pensamentos e desejos em realidade. O perigo deste tipo de antropocentrismo religioso, que coloca os seres humanos e o seu bem-estar no centro, é que transforma Deus em um poder ao nosso serviço, a igreja em um supermercado de fé e a religião em um fenômeno utilitário, sensacionalista e pragmático.
A Origem
Embora esta ideologia possa parecer nova, ela é suspeitamente semelhante à religião romana pagã, refletindo o contrato social no centro do império romano. “Os contratos inominados eram caracterizados na Roma antiga da forma seguinte: ‘dot ut des’ (Eu dou [a você] e você dá [a mim); ‘dot ut facias’ (Eu dou e você faz); ‘facio ut des’(Eu faço e você dá); ‘facio ut facias’ (eu faço e você faz). O princípio ‘do ut des’ (Eu dou a você e você dá a mim)’[1] é a características principal da religião pagã do Império Romano, expressando o contrato recíproco entre os seres humanos e a divindade, realçando a importância de dar como obrigação mútua da sociedade antiga (e especificamente romana). As dádivas oferecidas pelo indivíduo revestem-se da forma de sacrifício, com a expetativa que deus irá devolver algo valioso, o que por sua vez motivará a gratidão e sacrifícios adicionais, num ciclo perpétuo.[2]
É uma religião compensatória, tendo como objetivo a resolução de crises através da divindade.
O mecanismo interno tem as fases seguintes:
- Crise: o ser humano é incapaz de resolver o problema.
- Iniciativa humana: o ser humano vai ao templo (divindade) para resolver o problema.
- Oferta/sacrifício como depósito. A divindade está agora em dívida.
- Resposta divina: o homem está em dívida.
- Sacrifício de gratidão: a dívida é cancelada.
- Crise resolvida: fim do convênio.
A análise de alguns cultos de adoração de pregadores de TP revela um mecanismo semelhante que pode ser sistematizado da forma seguinte:
- Necessidades financeiras dos seres humanos. O resultado da falta de fé.
- Iniciativa de fé: arrependimento significa ter fé nas promessas de Deus.
- Oferta/doação: o crente tem que doar um valor elevado de dinheiro como prova da sua fé em Deus.
- Resposta divina: Deus irá abençoar a fé do crente ao resolver o seu problema econômico.
- Gratidão e repetição do sacrifício: se o crente receber uma bênção material, este deve continuar a dar as ofertas, para continuar a receber as bênçãos. Se não for recebida uma resposta, significa que há falta de fé e o sacrifício deve ser repetido, desta vez com mais fé.
- Dar para receber—uma estratégia do estilo de vida Cristão. O crente deve continuar a dar para obter sucesso na sua vida espiritual.
Uma análise simples do conceito da TP apresenta problemas teológicos com este sistema. Primeiro, o propósito do plano da salvação de Deus não contempla a redenção financeira, mas sim a redenção moral. Jesus promete o perdão dos pecados, não a recuperação da conta bancária. Segundo, a deslocação antropocêntrica enfatiza a generosidade e doações como causa de bênçãos. Desta forma, Deus torna-se uma conduta de bênçãos, não a fonte destas. O conceito Bíblico é que Deus e a Sua graça são a fonte de bênçãos dos fiéis e infiéis. “Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos” (Mat. 5:44, 45, ARC). Terceiro, a TP apresenta a ideia de um relacionamento compensatório entre as ações humanas e a graça divina.
Evangelho da Prosperidade ou Evangelho de Cristo?
Embora os adeptos da TP baseiem o seu sistema em textos do Antigo Testamento, não há ligação concetual com a perspetiva bíblica da mordomia. Uma exegese séria do texto bíblico demonstra que, no Antigo Testamento, a prosperidade não estava associada à ideia de ofertas de adoradores a Deus, mas sim à obediência e fidelidade ao Criador. Se há alguma ligação entre bênçãos, generosidade e ofertas, esta é totalmente diferente da proposta da TP. A TP faz da oferta a causa da bênção. Contrariamente, no mundo bíblico, as bênçãos são motivo de gratidão e doação. O sistema de dízimos e ofertas é baseado numa adoração tipo relacionamento, não numa troca.
A essência do sistema de mordomia na Bíblia é resumida na pergunta retórica do salmista: “Que darei ao Senhor por todos os seus benefícios para comigo?” (Sal. 116:12, ARC). É evidente que a resposta esperada não está expressa em termos de compensação ou troca, mas numa atitude de adoração e fidelidade a Deus, que é o objetivo da mordomia Bíblica. “Tomarei o cálice da salvação e invocarei o nome do Senhor” (Sal. 116:13, ARC),
O contraste entre a teologia da prosperidade e a teologia bíblica é evidente. Enquanto a primeira considera dar como um tipo de investimento em antecipação de um dividendo futuro, a teologia bíblica vê dar como uma reação, o resultado da contemplação das bênçãos recebidas de Deus. É a diferença entre INVESTIR e DEVOLVER.
No início deste artigo, mencionei que muitas vezes quantificamos a prosperidade em termos de dinheiro. Isto cria uma perspetiva falsa que é medida quantitativamente, que promove um modelo de troca tipo mercado, onde o objetivo é INVESTIR, GANHAR, ACUMULAR. O modelo bíblico promove uma perspetiva diferente. A prosperidade é um tipo de relacionamento. DAR não significa perder, mas significa ADORAR, DAR, GRAÇA, AJUDAR.
Tentar definir o relacionamento causa-e-efeito entre a generosidade e a bênção não é uma tarefa fácil. Deparamo-nos com dois sistemas mutuamente opostos: Um apresenta a generosidade como causa da prosperidade e bênçãos. Em outras palavras, “Do ut des” (dar para receber). O outro apresenta as bênçãos como causa da prosperidade e generosidade. Em outras palavras, “Eu dou porque recebi.” Não é uma decisão fácil tomar. É escolher entre “dividendos” e “adoração.” Antes de tomarmos uma decisão, devemos lembrar que a matemática do céu tem o seu próprio paradoxo. “Mais bem-aventurado é dar que receber” (Atos 20:35, ARC). Devemos lembrar que “o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo” (Rom. 14:17, ARC).
[1] Arturo Orgaz, Diccionario de derecho y ciencias sociales, (Córdoba: Ed. Assandri, 1961), p. 129.
[2] Jörg. Rüpke, Religión de los romanos, ed. Richard Gordon, (Malden, MA: Polity Press, 2007), p. 139.