VIDA ESPIRITUAL E MISSÃO DA IGREJA

OFERTAS PROPORCIONAIS

Introdução

Desde o início da história deste mundo, as ofertas de Caim e de Abel nos ensinam que doar é vital na adoração. Elas também demonstram que o estado espiritual do doador é essencial para a oferta ser aceitável (Gên.4:1-7). A oferta era uma parte indispensável da adoração pública durante as grandes festas de Israel, onde ninguém deveria comparecer diante de Deus de “mãos vazias” (Deut.16:16). Nesses exemplos, a oferta deveria ser um reconhecimento das bênçãos e não um meio de adquiri-las; uma expressão de gratidão, não salvação pelas obras. Aproximadamente duas dezenas de palavras diferentes são usadas no Velho Testamento para descrever os vários tipos de ofertas e seus significados. Isso mostra que doar, tão fortemente presente no vocabulário das pessoas, era parte do modo como eles percebiam e viviam suas vidas. Portanto, toda oferta apontava para uma visão geral de que Deus é o proprietário de tudo (Sal.24:1). Nesse artigo, limitaremos nossa discussão a três aspectos relacionados à proporcionalidade das ofertas. O primeiro trata da oferta obrigatória. O segundo com as ofertas voluntárias e o terceiro aborda o aspecto qualitativo de doar. Conforme veremos, esses três aspectos apontam para a proporcionalidade como resposta às bênçãos divinas, como indicador da vida espiritual do doador e ocompromisso com amissão da igreja

Ofertas Obrigatórias

Como parte da adoração, as ofertas obrigatórias eram previamente determinadas e estabelecidas pela instrução bíblica. No entanto, como mostram os exemplos seguintes, a despeito de terem sido estabelecidas em termos de produto, animais ou quantias a serem dadas, essas ofertas observavam algum tipo de proporção relativa ao status financeiro do doador. Um exemplo disso era a oferta pelo pecado (Lev.4-5), que eram dadas em gratidão pela cura (Lev.12:1-33) e aquelas dadas pelo nascimento de uma criança e pela purificação após ao nascimento (Lev.14:10,11,21-31). Assim, dependendo da seriedade da ofensa e do status da pessoa (Um príncipe, uma pessoa rica, ou uma pessoa pobre), a oferta pelo pecado e outras ofertas obrigatórias variavam de touros e novilhos a carneiros, bodes, cordeiros, pombos e rolas. Desta maneira, havia sempre uma correlação entre a capacidade da pessoa contribuir e sua oferta. A oferta, ou seu valor proporcional já tinha sido determinado e o adorador tinha apenas que obedecer.

A proporção fixa e obrigatória também é encontrada em diferentes circunstâncias durante a história de Israel, mostrando a maneira de Deus lidar com seu povo. Aqui estão alguns exemplos: Na redenção de escravos e propriedades. Neste caso a proporção era usada de acordo com o tempo. O valor da redenção pago deveria ser proporcional à proximidade do ano do jubileu, quando deveria ocorrer uma anistia geral do valor do débito (Lev.25:52). Quanto mais distante o jubileu, mais valioso era o escravo ou a propriedade.

Na divisão da herança entre as tribos. Este princípio era mais uma vez aplicado porque as tribos de Israel receberam terra na proporção de sua população (Num.26:54). A distribuição das cidades aos levitas. O conceito de proporção também era usado neste caso. Cada tribo fazia sua doação de cidades aos levitas na proporção do número que ela possuía (Núm.35:8). No dízimo trazido pelo povo para o serviço sacerdotal (Lev.27:30; Núm.18:21; Mal.3:8-10). Tudo que era trazido ao Senhor era uma oferta. Portanto, a despeito de ter um propósito específico de manter o sacerdócio, o dízimo deveria ser dado como uma “oferta” (Núm.18:24).

No texto acima, a palavra que identifica a doação do dízimo como uma oferta (terumah) é a mesma usada em Malaquias (3:8) para distinguir entre dízimos (maser) e ofertas (terumah). Assim, o dízimo é uma oferta proporcional fixa, mas nem todas as ofertas eram dízimos. O dízimo não era estabelecido pelos levitas, mas era uma oferta obrigatória para manter o ministério desde os tempos antigos. Foi primeiramente mencionado na bíblia aproximadamente 500 anos antes do sacerdócio levítico, quando Abraão deu seu dízimo a Melquizedek (Gên.14:18-20). O ministério de Melquizedek não tem começo nem fim. Portanto, seu direito ao dízimo também não tem começo nem fim. Esse direito pertence a Jesus, que está vivo e a quem Melquizedek representa (Heb.7:1-8). Consequentemente, todas as outras ofertas obrigatórias e fixas decorreram do contexto antigo e a confiança no sistema cerimonial típico, que foi cumprido em Jesus. No entanto, o dízimo é o único que permanece. Além disso, não há texto abolindo-o tanto no Velho quanto no Novo testamento e sua validade, diferente de outras ofertas obrigatórias fixas, não é dependente do sistema levítico.

Proporcionalidade aparece em várias situações no relacionamento entre Deus e seu povo, tanto no Velho Testamento quanto no Novo Testamento. De acordo com este princípio, cada um será aceito de acordo com o que ele tem e não conforme ao que ele não tem. (II Cor.8:12).

Não obstante, o propósito de todas essas ofertas obrigatórias não era adquirir bênçãos divinas, mas reconhecer a Deus como o proprietário e criador, e também manter comunhão com ele pelo significado redentivo de cada oferta. Agora vamos focar nas ofertas voluntárias.

Ofertas Voluntárias

Sob o aspecto quantitativo, ofertas voluntárias recebem esse nome porque elas eram voluntárias. Como vemos, Deus determina a porcentagem ou a quantia das ofertas obrigatórias, mas o adorador decide o valor da oferta voluntária ou de livre arbítrio. O adorador se depara com o quanto deve dar, o que não é o caso das ofertas obrigatórias fixas. Portanto, a bíblia descreve esses doadores como alguém que “dá voluntariamente com seu coração” em termos de quanto dar (Êx.25:2).

Além das ofertas voluntárias, nas ofertas de livre arbítrio “cada homem dará conforme puder e de acordo com a bênção que o senhor seu Deus vos tem dado” (Deut.16:17) Isso significa que a oferta voluntária deveria ser: 1) Proporcional à bênção e 2) dada voluntariamente conforme seu coração (Êx.25:2), porque o cálculo depende do critério do doador. Ofertas fixas obrigatórias foram estabelecidas na base da generosidade, como pode ser visto nos animais exigidos para o sacrifício, em outras ofertas e no dízimo. Isso aponta para a generosidade também sendo exercida na proporção das ofertas voluntárias, de acordo com os exemplos bíblicos (Êx. 25:1, 2; Ezeq. 2:68, 69; Neem. 7:70-72; 10:32, 33; I Crôn. 29:1-18). Futuramente, nas suas campanhas de ofertas entre as igrejas, o apóstolo pede que “cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para que se não façam coletas quando eu for” (I Cor. 16:2). Aqui, planejamento é acrescentado à proporcionalidade, como fez Davi quando deu ofertas para o templo (I Crôn. 29:2)

De acordo com o relato acima, a proporção de toda renda determina a frequência das ofertas, uma vez que a oferta acorre regularmente com cada dom recebido, “de acordo com a bênção do Senhor” (Deut.16:17). Assim, a frequência tem um impacto positivo na experiência cristã, enquanto ela denota um compromisso pessoal com a adoração e a missão da igreja. Portanto, a oferta ainda permanece válida hoje, seguindo o princípio da proporcionalidade. Dois tipos de ofertas proporcionais também permanecem: ofertas obrigatórias fixas (dízimo) e ofertas livres (voluntárias) dadas “voluntariamente com seu coração”. A experiência espiritual do doador e seu compromisso com a obra do Senhor são enfatizados em ambas.

Qualidade da oferta

As ofertas das colheitas deveriam ser imediatas, “Não tardarás em trazer ofertas do melhor das tuas ceifas e das tuas vinhas” (Êx. 22:29) e Quando alguém oferecer sacrifício pacífico ao SENHOR, quer em cumprimento de voto ou como oferta voluntária, do gado ou do rebanho, o animal deve ser sem defeito para ser aceitável; nele, não haverá defeito nenhum” (Lev. 22:21).

De acordo com a descrição acima, as ofertas eram predominantemente produtos agrícolas ou de animais e a qualidade da oferta era a qualidade do animal ou do produto oferecido. No entanto, a bíblia ensina que o espírito com o qual o adorador dá determinará se a oferta será “o melhor” e “sem defeito” ou se ela será o resultado de um coração pequeno que traz para o altar aquilo que é descartável ou de pouco valor (Mal.1). Três exemplos bíblicos expandem o significado da excelência da oferta, que vai além do item oferecido e tem a ver com a condição do coração do doador. O primeiro exemplo é o da viúva pobre (Marc 12:41- 44). Jesus ensinou que, mais do que é dado, a qualidade da oferta é expressa pelo como o doador dá. O valor da oferta está na proporção que exige sacrifício. O texto é claro: a viúva deu tudo que tinha e embora fosse pequena em termos de quantidade, esta pequena soma era muito, considerando a proporção em relação às suas posses. Embora eles dessem muito, os outros adoradores deram o que estava sobrando e não havia generosidade ou sacrifício na quantidade de suas ofertas. Portanto, não basta a oferta ser proporcional, ela deve também ser generosa. Dessa maneira a oferta da viúva foi significativa para Jesus, que louvou-a e a pôs como exemplo para todos aqueles que servem a Deus.

O segundo exemplo se encontra no discurso de Davi quan- Proporcionalidade e qualidade não podem ser separadas, assim como amor e generosidade. 8 Julho - Setembro 2020 https://stewardship.adventist.or g/ do ele convocou o povo para trazer ofertas para a construção do templo (I Cron.29:1018). Ele disse que deu “com toda mina força” (v.2) motivado pelo “meu carinho pela casa do meu Deus” (v.3) e junto com o povo “regozijou grandemente” (v.9 e v.17), reconhecendo que “tudo que há no céu e na terra é Teu” (v.11) e que dar é retornar porque “todas as coisas vêm de ti e das suas próprias mãos te damos” (v.14), com a convicção de que ele “tem prazer na retidão” (v.17). Uma vez mais, a ênfase está nas virtudes do coração do adorador. Finalmente, o terceiro exemplo compreende as instruções do apóstolo Paulo. Além da proporcionalidade, “conforme tiver prosperado” (I Cor.16:2), e ele enfatiza que a oferta será precedida de “sua disposição” (II Cor.9:2), e “prepare de antemão a sua doação”, “como um assunto de generosidade” (v.5), “como propôs no seu coração” (v.7) por um “doador alegre” a quem Deus ama (v.7). Portanto, ofertas dadas com amor e com alegria são agradáveis ao Senhor (v.7) porque elas nunca são miseráveis

É importante lembrar uma vez mais que a proporcionalidade generosidade de ofertas obrigatórias e voluntárias são motivadas pelo nosso amor a Deus e missão a todas as pessoas. Aqui estão alguns exemplos: As ofertas para o templo significavam que através do santuário o nome de Deus alcançaria todas as nações (I Reis 8:60). Recebendo o dízimo de Abraão, Melquizedek manteve seu ministério nas encruzilhadas das nações e se tornou um exemplo de Cristo, o sacerdote que intercede por todos (Heb.7:1-8). Jerusalém, para onde todos os dízimos e ofertas eram enviados para a casa do tesouro (Mal.3:8-10), tinha a tarefa de reunir todas as pessoas em nome do Senhor (Isaías 2:1-4; Jer.3:17). E sendo fieis dizimistas e doadores, a nação israelita seria abençoada, para atrair a atenção de todas as nações (Mal.3:12). Hoje, ofertas obrigatórias fixas (dízimo) e ofertas livres (voluntárias) são ainda parte do plano de Deus para mover a igreja e fazer discípulos de todas as nações (Mat.28:19).

Conclusão

Finalmente, conforme vimos, proporcionalidade é evidente nas escrituras em ofertas obrigatórias e também com ofertas voluntárias, e ambas são aceitáveis de acordo com o coração do doador. Esses dois tipos de ofertas permanecem relevantes hoje através do dízimo e das ofertas voluntárias. O coração determina se a oferta é perfeita, porque ela determina se o que é dado é o melhor em termos de quantidade e de qualidade, para ser aceitável a Deus.

Portanto, proporcionalidade e qualidade não podem ser separadas, assim como amor e generosidade. Dar é adoração como é a oração. Na oração o coração é elevado a Deus, contando-lhe o que ele já sabe. Nas ofertas, nós damos de nós mesmos, devolvendo o que já pertence a ele, de acordo com sua vontade. E sua vontade é uma proporção generosa, trazida alegremente pelo doador, expressando compromisso com Cristo e sua obra. Hoje, todos os santos ainda são convidados a dar ofertas proporcionais com grande alegria. Este é nosso privilégio.

1-Todas as referências bíblicas retiradas da Versão Almeida Revista e Atualizada

Demóstenes Neves da Silva

Demóstenes Neves da Silva, Mestre em Teologia (UNASP), Mestre de Família na Sociedade Contemporânea (UCSal) e doutor em Psicologia (UFBa), foi palestrante na Universidade Adventista da Bahia. Atualmente é aposentado, mora em Salvador, Bahia, Brasil, e continua ativo como orador e autor.